Conto "Encontro no Aeroporto"

Participação no Concurso "Novos Talentos 2021 - FNAC Portugal

CONTO "ENCONTRO NO AEROPORTO"

SINOPSE DO CONTO

O conto "Encontro no Aeroporto" conta a história de Pedro e Emanuel.

Dois amigos de escola que se encontraram anos depois em uma noite no aeroporto.

Pedro é um executivo que mede a vida pelo sucesso na carreira profissional.

Emanuel, um arqueólogo que vive na Mongólia e que possui aptidões espirituais.

Na longa noite no aeroporto, puderam conhecer melhor o que acontecera em suas vidas.

Anos depois, Pedro perdeu a esposa, entrou em depressão, e pensou em tirar a própria vida.

Lembrando do encontro que tivera com Emanuel, começou a buscar valores que não imaginara existir.

Descobre que o encontro não fora por acaso, sentido único que descobriria anos depois.

Pedro retoma a vida a partir dos ensinamentos de Emanuel, buscando equilíbrio entre a vida material e espiritual.

Obtendo respostas para problemas existenciais já revelados em uma única noite, em um "Encontro no Aeroporto"



Conto Literário “Encontro no Aeroporto” 

1 - Voltando para casa

Eu sempre estava partindo e voltando para casa.

Congressos de Educação ao redor do mundo, metodologias e tecnologias eram meu horizonte como executivo.

Era bom ser bem-sucedido na meia idade.

Mas, algo em meu coração me assombrava. 

Como muitas crianças eu não conhecera meus pais biológicos e minhas tentativas de encontrá-los sempre foram frustradas.

Esgotava minhas energias no trabalho deixando de lado esta questão que me amargurava. Indo e vindo como minhas viagens.

Tinha esperança de um dia saber o que aconteceu, entender as razões de alguém ter me trazido ao mundo e me abandonado.

Precisava destas respostas para seguir em frente.

2 - Pensando na vida

No aeroporto de Washington D.C, depois das livrarias, me vi de pé olhando aviões pelas imensas janelas de vidro.

Me perdendo no pensamento da espera, aquele que vagamos só para gastar o tempo.

Era hora de voltar para casa. Escapar do inverno local.

Achei melhor me sentar e continuar pensando na vida mantendo o olhar vazio pelas janelas.

Quase na minha frente, estava alguém já sentado vestindo uma roupa diferente. 

Me chamou atenção o gorro cinza, casaco de pele e barba enorme. Mochila ao lado. Cara de poucos amigos.

Parecia um explorador, alguém das estepes, quem sabe fazendo uma ponte aérea para mais ao norte do mundo.

Pensei comigo: “Se vê de tudo em aeroportos”.

3 - Encontrando um amigo

Ao desviar o olhar das imensas janelas, os retornava ao forasteiro, que nunca imaginei saber quem seria.

De olhos fechados, cabeça curva para baixo, o viajante parecia estar cochilando.

Em um dado momento, ele saiu daquele estado e seus olhos me fitaram gentilmente. 

Tive a sensação de que ele não me era um estranho, em algum outro lugar quem sabe o teria avistado. 

Meus olhos retornaram para o infinito da janela, na espera noite adentro pelo voo que sairia na madrugada.

O viajante me olhou diretamente e disse em voz calma.

- Você é o Pedro?

No que fiquei surpreso. Ele continuou.

- Fomos amigos de escola. Se lembra? Eu sou o Emanuel.

Voltei 25 anos. 

Olhando diretamente nos olhos castanhos claros do estranho que agora eu pudera reconhecer.

Percebi que estava diante de um grande amigo do ensino médio, dos tempos da escola.

Minha memória percorreu o passado como acontece quando encontramos alguém anos depois.

Emanuel tinha cabelos claros, levemente mais alto do que eu, focado, extrema capacidade de aprendizado, excelente esportista.

Não era fácil competir com ele, nem esquecer alguém assim, que havia conhecido, convivido, e disputado pódios na escola.

No que respondi o fitando.

- Não acredito. Você é mesmo o Emanuel? Com estas roupas eu nunca te reconheceria?

No que ele respondeu.

- De fato. Estou fora dos padrões. Mas em trânsito, para outro local.

A felicidade de encontrar alguém conhecido em outro país, que compartilha laços comuns, te deixa feliz e animado.

Nossa conversa começou por um conjunto de questões curiosas que rondam a nossa mente ao encontrar velhos amigos.

O que aconteceu? O que havia mudado? Como a vida profissional tinha se desenvolvido? Com quem se casara? Quantos filhos?

Nossa espera seria longa até a madrugada e a oportunidade parecia rara.

Decidimos tomar café e conversar sobre a vida.

4 - Mapeando a vida

Depois de breve conversa sobre velhos tempos e a boa vida de estudante, começamos explicar no que nos tornamos.

Ele puxou a conversa.

- Mas, me conta de sua vida.

Disse ele após alguns goles de café, sentados na pequena mesa da lanchonete do aeroporto.

Comecei a falar rápido, pois estava entusiasmado em rever o amigo.

- Eu me formei em Comunicação e Marketing. 

- Me especializei em Educação, ingressando em uma Instituição neste mercado.

- Me interessei por tecnologia, e acabei em uma área de novos negócios educacionais.

- Não me casei, mas tenho alguém que está comigo há muitos anos.

Continuei contando as minhas aventuras, negócios, idas e vindas para outros países.

Meu entusiasmo era grande e falava como alguém que precisava extravasar o sucesso.

Ele ouvia tudo em silêncio, concentrado, tomando aos poucos o café.

Seus olhos pareciam aprovar tudo o que eu dizia.

De vez em quando me ajudava a desenvolver as histórias com pequenas perguntas.

Só eu falava. De repente percebi que precisava ouvir.

E lhe perguntei.

- E você Emanuel? O que fez na vida até agora?

Sua voz calma e acentuada iniciou as respostas.

- Aproveitei meus dons esportivos, e fui como atleta para uma universidade americana cristã, influências do meu pai. 

- Lá obtive um BA em Arqueologia e a oportunidade de trabalhar na Mongólia para um museu em busca de sítios antigos.

- A vida nas tendas e a solidão das imensas planícies, me proporcionaram uma paz que não conhecia.

Ele fez uma longa pausa e por alguns momentos ficamos em silêncio tomando café. 

No que pensei como a vida se desenrola de forma diferente para cada pessoa.

Emanuel era tranquilo na juventude, focado, distante, mergulhado em algo a ser feito adiante, não no momento.

Eu gostava de conversar. As boas conversas me ajudaram muito na vida profissional.

5 - Segredos da vida

Nesta longa espera havia muito a conversar.

E perguntei.

- Emanuel, como foi possível se adaptar a esse mundo?

Ele me olhou demorado, como se a resposta ainda estivesse a ser formulada.

- Olha Pedro. Eu nem desconfiava que isso seria possível. 

- Achei que seria um trabalho transitório, de alguns meses.

- No fim, fiquei por lá. Me casei com um mulher da Mongólia. Tenho um filho.

Pensei como alguém pode viver e se adaptar em local tão distante de cultura e vida diferente.

Ele continuou.

- A solidão das planícies, o vento frio do Norte que fere o rosto, a dureza da vida nestas estepes, me trouxeram paz espiritual.

- No silêncio profundo das noites uma voz vinda de outros tempos me disse: 

- Você está aqui para encontrar a si próprio, identificar a procedência de seu espírito. 

- Suas vidas anteriores. Sua missão nesta vida.

- No início não entendia muito bem o que aquilo significava.

- Por dias ouvi esta voz me guiando, consolando, tentando me conduzir por um novo caminho.

Emanuel parou por alguns minutos para encher seu copo de café e continuou.

- Meu primeiro entendimento veio quando conheci minha esposa. 

- Quando a conheci tive a sensação de que éramos conhecidos, de outros lugares, quem sabe de outra vida.

- Quando nasceu meu filho, percebi que havia uma missão especial que uniria uma família dividida em vidas anteriores.

Ele parou de falar.

Respirei fundo um pouco estonteado. 

Um pouco desconfiado até. Refleti rápido sobre o que tinha ouvido e lhe perguntei quase sem pensar.

- Mas, quais são as suas conclusões sobre a voz e a sua decisão de continuar sua vida por lá?

Ele não perdera a maneira distante de ser, parecendo não ouvir a pergunta, e a resposta veio mais demorada.

- Quando jovem tinha sonhos correndo por planícies com roupas de peles e morando em tendas nas estepes.

- Fui para a Mongólia por ter vivido lá vidas anteriores, trazidas em sonhos quando jovem.

Fiquei contemplativo enquanto Emanuel continuava.

- Nesta vida precisava retornar para a Mongólia, reencontrar minha esposa e filho que me foram tirados em vida anterior.

Ele parecia visivelmente emocionado, e a pausa para voltar a falar se estendeu a mais do que o normal. 

Seus olhos continuavam distantes.

- Por esta razão, me foi dado o destino de ir para a Mongólia.

Sendo madrugada, com os sentidos não tão aguçados, achei aquilo fora da minha lógica.

Eu sempre fora cético. Em alguns momentos até ateu. 

Não acreditava em vidas anteriores, renascimentos, reencarnações ou encontros de almas para justificar atitudes da vida.

Meu ceticismo podia ir longe, mas considerei as explicações de um amigo.

6 - Entendendo o encontro

Nossos sentidos podem nos enganar quando estamos sonolentos.

O tempo estava indo embora, e havia ainda pouco mais de uma hora para conversamos.

Perguntei de forma apressada.

- Qual o motivo de sua viagem Emanuel? O que está fazendo aqui neste aeroporto?

Ele não se incomodou com a pergunta. E a resposta veio calma, esta já pensada.

- Vim encontrar um amigo a pedido daquela voz. 

- Um amigo me ajudou a sobreviver em vidas anteriores, e, portanto, precisei lhe retribuir.

E continuou.

- Ele não foi uma boa pessoa, cometendo erros com sua família, seu pai e mãe, que trouxe inconformismo nesta vida,

- Minha visita foi a trazer paz ao seu coração e alertá-lo para o futuro, onde se verá em situação tentando tirar a própria vida.

E continuou.

- No plano espiritual, tirar a vida é a pior das escolhas.

- Este amigo vai precisar de paz no coração e na alma para evitar esta tragédia.

E finalizou.

- Cumpri a minha missão. E estou voltando feliz, pois o encontrei e conversamos sobre o que era necessário.

- Então estou de retorno ao meu às estepes.

Fiquei mudo e irritado. Aquelas explicações me deixavam confuso.

Percebi que estava falando com um antigo amigo, mas ele me parecia ser uma outra pessoa.

Suas convicções espirituais não estavam relacionadas às minhas, as teorias não encaixavam na minha realidade.

Com o pouco tempo que nos restava, conversamos ainda sobre a vida, sua essência, os carmas que adquirimos, os sonhos e seu significado, as escolhas que fazemos, os erros e acertos da vida.

Apesar da conversa não me agradar muito, a presença do amigo a tornou interessante.

O tempo esgotou e me despedi de Emanuel.

Me recordo de sua imagem de homem da estepe caminhando silenciosamente em direção ao portão de embarque.

Combinamos de um dia de nos reencontrar.

7 - Segredos revelados do encontro no aeroporto

Como é bom retornar para casa. O tempo passou, e a conversa esquecida.

Vinte anos depois aconteceu o pior. Sem ter filhos, minha esposa veio a falecer.

Eu perdi o chão e a vida perdeu o brilho.

Aquele executivo altivo, invencível, dera lugar a uma pessoa vulnerável, depressivo, apático, sem futuro.

Eu só tinha uma escolha. Tirar a vida. Pensava nisso diariamente como um processo de mão única.

Resolver de vez o sofrimento de não ter tido pais e ter perdido a esposa. 

Madrugadas adentro acordado me trouxeram as lembranças do encontro com Emanuel.

Percebi que ele queria me avisar de alguma coisa que na época não entendera.

Comecei a me lembrar detalhes de suas palavras, e os segredos delas me foram sendo revelados.

Primeiro segredo

O amigo que Emanuel se referia ter ido visitar eu.

Sua viagem da Mongólia até Washington tinha apenas um objetivo, um encontro no aeroporto com o seu amigo Pedro.

Estava lá para me ajudar a desvendar alguns princípios espirituais de ação e reação que pudessem ser úteis no futuro.

Sua dívida para comigo estava paga, pois eu o havia ajudado a suportar a perda de sua esposa e filho em vida anterior.

Segundo segredo

Esclareci a maior das minhas dúvidas, de que nunca iria conhecer meus pais biológicos.

Eu fizera esta escolha em espírito de voltar nesta vida e não conhecê-los. 

Um tributo aos meus atos em vidas anteriores.

Terceiro segredo

Deveria diminuir o ego, estar em sintonia com a vida espiritual, recuperar minha essência para ter paz.

Tirar a própria vida seria o maior erro que faria.

Minha alma e espírito se aquietaram. Uma calma invadiu  meu ser. Meu sono retornou.

Fui recuperando o entendimento de que a vida está acima das outras prioridades, e nunca se deve tirá-la.

Erros devem ser perdoados. E a fé, a principal motivação humana, deve ser recuperada.

Meu orgulho se foi. 

Perdi interesse profissional, e procuro responder perguntas da vida com respostas não apenas da lógica humana, mas vindas também do lado espiritual.

Não tenho todas as respostas daquele encontro. 

Como foi possível ele saber que eu estaria naquele dia e horário no aeroporto? 

Porque ele estava sentado na minha frente, se fui quem escolheu o local e cheguei depois dele nas cadeiras próximas às janelas? Qual a razão de me encontrar em um momento de reflexão, olhando pelas janelas de vidro?

Quem sabe um dia eu consiga responder estas perguntas.

8 - Retomando o contato

Tinha de reencontrar meu amigo, agradecer pelo que fez.

Procurei Emanuel na Mongólia e pelos sete cantos do mundo.

Acho que ele não queria ser encontrado.

Se for a vontade de Deus, nesta ou em outra vida, possa lhe pagar pelo que fez.

Nunca podia imaginar que um encontro em um aeroporto pudesse me ensinar tanto sobre a vida.

Que me salvaria no futuro permitindo a busca de novos caminhos.

Você pode estar pensando que isso não faz sentido, apenas uma história e que encontros em aeroportos são coincidência.

Mas tudo é natural. 

Quanta gente se encontra nos aeroportos, ou outros locais sem saber que vão aprender uma lição.

O plano espiritual arruma uma forma de nos chamar, um puxão de orelhas para as coisas que prometemos em outro plano, e que às vezes pela circunstâncias da vida acabamos nos desviando.

Nos momentos necessários surgem amigos espirituais que nos ajudam a fazer correções, voltar ao caminho escolhido.

É uma mecânica natural que acontece em nossas vidas sutilmente e que poucas pessoas se apercebem.

Aprendi algo importante que deixo aqui como conselho.

Sempre aproveite os encontros com velhos amigos e os ouça com muita atenção e carinho. 

Eles podem estar orientados a despertar em você algo que vai transformar a sua vida.

Não deixe sua vida passar e te levar pelos caminhos da vaidade e do egocentrismo. 

Procure entender a vida não apenas de um lado, mas de ângulos diferentes. Cuidado com o que você acredita ser a única verdade.

No mais lhe desejo muita paz no coração e crescimento espiritual.