Conto "Encontro no Aeroporto"

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Conto "Encontro no Aeroporto" 

SINOPSE:

O conto "Encontro no Aeroporto" narra a história de Pedro e Emanuel, dois amigos de escola que se reencontram anos depois numa noite no aeroporto. Pedro é um executivo que mede a vida pelo sucesso na carreira profissional. Emanuel, por sua vez, é um arqueólogo que vive na Mongólia e possui aptidões espirituais.

Durante uma longa noite no aeroporto, eles têm a oportunidade de conhecer melhor os eventos que ocorreram nas suas vidas desde o último encontro. Anos mais tarde, Pedro enfrenta uma fase difícil: perde a esposa, entra em depressão e chega a pensar em tirar a própria vida. Lembrando-se do encontro que tivera com Emanuel, começa a buscar valores que nunca imaginara existir.

Pedro descobre que o encontro não fora por acaso, revelando-se como um sentido único que apenas compreenderia anos depois. A partir dos ensinamentos de Emanuel, Pedro retoma a vida, buscando equilíbrio entre a vida material e espiritual. Encontra respostas para problemas existenciais que foram revelados durante aquela única noite, num "Encontro no Aeroporto".



Conto “Encontro no Aeroporto” 

1 - Voltando para casa

Eu estava sempre a partir e a voltar para casa. Congressos de Educação pelo mundo, metodologias e tecnologias eram o meu horizonte como executivo.
Era bom ser bem-sucedido na meia-idade. Mas algo no meu coração assombrava-me. Como muitas crianças, não conheci os meus pais biológicos e as minhas tentativas de encontrá-los foram sempre frustradas.
Esgotava as minhas energias no trabalho, deixando de lado esta questão que me amargurava. Ia e vinha como as minhas viagens.
Tinha esperança de um dia saber o que aconteceu, entender as razões de alguém me ter trazido ao mundo e me abandonado. Precisava dessas respostas para seguir em frente.

2 - Pensando na vida

No aeroporto de Washington D.C., após passar pelas livrarias, encontrei-me de pé a olhar os aviões pelas imensas janelas de vidro. Perdia-me em pensamentos da espera, aqueles que vagueamos só para gastar o tempo.
Era hora de voltar para casa, escapar do inverno local. Decidi sentar-me e continuar a pensar na vida, mantendo o olhar vazio pelas janelas.
Quase à minha frente, estava alguém já sentado, vestindo uma roupa diferente. Chamou-me a atenção um casaco vibrante com padrões intrincados, um chapéu de feltro, e botas robustas de courom, além da barba espessa e olhar penetrante. Ao seu lado, uma mochila robusta.
Parecia um explorador, talvez alguém das estepes, quem sabe a fazer uma escala para mais ao norte do mundo.
Pensei comigo: “Vê-se de tudo em aeroportos.”

3 - Encontrando um amigo

Ao desviar o olhar das imensas janelas, voltava-o para o forasteiro, que nunca imaginei saber quem seria.
De olhos fechados e cabeça curvada para baixo, o viajante parecia estar a cochilar. Num dado momento, ele saiu daquele estado e os seus olhos fitaram-me gentilmente. Tive a sensação de que ele não me era estranho, talvez o tivesse avistado noutro lugar.
Os meus olhos voltaram para o infinito da janela, esperando noite adentro pelo voo que partiria de madrugada.

— Você é o Pedro? — O viajante olhou-me diretamente e disse, numa voz calma.

Surpreso, fiquei sem palavras. Ele continuou:

— Fomos amigos de escola. Lembra-se? Eu sou o Emanuel.

Recuei 25 anos, olhando diretamente nos olhos castanhos claros do estranho que agora conseguia reconhecer.
Percebi que estava diante de um grande amigo do ensino secundário, dos tempos de escola. A minha memória percorreu o passado como acontece quando encontramos alguém anos depois. Emanuel tinha cabelos claros, era ligeiramente mais alto do que eu, focado, com uma extrema capacidade de aprendizado, um excelente desportista.
Não era fácil competir com ele, nem esquecer alguém assim, que havia conhecido, convivido e disputado pódios na escola.

— Não acredito. És mesmo o Emanuel? Com essas roupas nunca te reconheceria! — Respondi, ainda o fitando.

Ao que ele respondeu:

— De facto, estou fora dos padrões. Mas estou em trânsito, a caminho de outro lugar.

A felicidade de encontrar alguém conhecido em outro país, que partilha laços comuns, deixa-nos felizes e animados. A nossa conversa começou com um conjunto de questões curiosas que rondam a nossa mente ao reencontrar velhos amigos. O que aconteceu? O que havia mudado? Como se tinha desenvolvido a vida profissional? Com quem se casara? Quantos filhos?

A nossa espera seria longa até a madrugada e a oportunidade parecia rara. Decidimos tomar café e conversar sobre a vida.

4 - Mapeando a vida

Depois de uma breve conversa sobre os velhos tempos e a boa vida de estudante, começámos a explicar no que nos tornámos. Ele iniciou a conversa:

— Mas, conta-me da tua vida.

Disse ele após alguns goles de café, sentados na pequena mesa da lanchonete do aeroporto.
Comecei a falar rapidamente, pois estava entusiasmado em rever o amigo:

— Formei-me em Comunicação e Marketing.
— Especializei-me em Educação, ingressando numa instituição deste mercado.
— Interessei-me por tecnologia e acabei numa área de novos negócios educacionais.
— Não me casei, mas tenho alguém que está comigo há muitos anos.

Continuei contando as minhas aventuras, negócios, idas e vindas para outros países. O meu entusiasmo era grande e falava como alguém que precisava extravasar o sucesso. Ele ouvia tudo em silêncio, concentrado, tomando aos poucos o café. Os seus olhos pareciam aprovar tudo o que eu dizia. De vez em quando, ajudava-me a desenvolver as histórias com pequenas perguntas. Só eu falava. De repente, percebi que precisava ouvir.

— E tu, Emanuel? O que fizeste na vida até agora?

A sua voz calma e acentuada iniciou as respostas:

— Aproveitei os meus dons desportivos e fui como atleta para uma universidade americana cristã, influências do meu pai.
— Lá obtive um bacharelato em Arqueologia e a oportunidade de trabalhar na Mongólia num museu em busca de sítios antigos.
— A vida nas tendas e a solidão das imensas planícies proporcionaram-me uma paz que não conhecia.

Ele fez uma longa pausa e, por alguns momentos, ficámos em silêncio a tomar café. Pensei como a vida se desenrola de forma diferente para cada pessoa. Emanuel era tranquilo na juventude, focado, distante, mergulhado em algo a ser feito adiante, não no momento. Eu gostava de conversar. As boas conversas ajudaram-me muito na vida profissional.

5 - Segredos da vida

Nesta longa espera, havia muito para conversar. E perguntei:

— Emanuel, como foi possível adaptar-te a esse mundo?

Ele olhou-me demoradamente, como se a resposta ainda estivesse a ser formulada.

— Olha, Pedro. Eu nem desconfiava que isso seria possível.
— Achei que seria um trabalho transitório, de alguns meses.
— No fim, fiquei por lá. Casei-me com uma mulher da Mongólia. Tenho um filho.

Pensei como alguém pode viver e adaptar-se num local tão distante e com uma cultura e vida tão diferentes. Ele continuou:

— A solidão das planícies, o vento frio do Norte que fere o rosto, a dureza da vida nestas estepes, trouxeram-me paz espiritual.
— No silêncio profundo das noites, uma voz vinda de outros tempos disse-me:

— Estás aqui para encontrar a ti próprio, identificar a procedência do teu espírito.

— As tuas vidas anteriores. A tua missão nesta vida.

— No início, não entendia muito bem o que aquilo significava.
— Por dias, ouvi esta voz a guiar-me, a consolar-me, tentando conduzir-me por um novo caminho.

Emanuel parou por alguns minutos para encher o seu copo de café e continuou:

— O meu primeiro entendimento veio quando conheci a minha esposa.

— Quando a conheci, tive a sensação de que éramos conhecidos, de outros lugares, quem sabe de outra vida.
— Quando nasceu o meu filho, percebi que havia uma missão especial que uniria uma família dividida em vidas anteriores.

Ele fez uma pausa. Respirei fundo, um pouco estonteado, um pouco desconfiado até. Refleti rapidamente sobre o que tinha ouvido e perguntei-lhe quase sem pensar:

— Mas, quais são as tuas conclusões sobre a voz e a tua decisão de continuar a tua vida por lá?

Ele não perdera a maneira distante de ser, parecendo não ouvir a pergunta, e a resposta veio mais demorada:

— Quando jovem, tinha sonhos a correr por planícies com roupas de peles e a morar em tendas nas estepes.
— Fui para a Mongólia porque tinha vivido lá em vidas anteriores, trazidas em sonhos quando jovem.

Fiquei contemplativo enquanto Emanuel continuava:

— Nesta vida, precisava retornar para a Mongólia, reencontrar a minha esposa e filho que me foram tirados numa vida anterior.

Ele parecia visivelmente emocionado, e a pausa para voltar a falar estendeu-se mais do que o normal. Os seus olhos continuavam distantes:

— Por essa razão, foi-me dado o destino de ir para a Mongólia.

Sendo madrugada, com os sentidos não tão aguçados, achei aquilo fora da minha lógica. Sempre fui cético. Em alguns momentos até ateu. Não acreditava em vidas anteriores, renascimentos, reencarnações ou encontros de almas para justificar atitudes da vida. O meu ceticismo podia ir longe, mas considerei as explicações de um amigo.

6 - Entendendo o encontro

Os nossos sentidos podem enganar-nos quando estamos sonolentos. O tempo estava a passar, e havia ainda pouco mais de uma hora para conversarmos. Perguntei de forma apressada:

— Qual o motivo da tua viagem, Emanuel? O que estás a fazer aqui neste aeroporto?

Ele não se incomodou com a pergunta, e a resposta veio calma, já pensada:

— Vim visitar um amigo a pedido daquela voz.
— Um amigo ajudou-me a sobreviver em vidas anteriores e, portanto, precisei retribuir-lhe.

E continuou:

— Ele não foi uma boa pessoa, cometendo erros com a sua família, seu pai e mãe, o que trouxe inconformismo nesta vida.
— A minha visita foi para trazer paz ao seu coração e alertá-lo para o futuro, onde se verá numa situação tentando tirar a própria vida.

E continuou:

— No plano espiritual, tirar a vida é a pior das escolhas.
— Este amigo vai precisar de paz no coração e na alma para evitar esta tragédia.

E finalizou:

— Cumpri a minha missão. E estou a voltar feliz, pois encontrei-o e conversámos sobre o que era necessário.
— Então estou de regresso às estepes.

Fiquei mudo e irritado. Aquelas explicações deixavam-me confuso. Percebi que estava a falar com um antigo amigo, mas ele parecia-me ser outra pessoa. As suas convicções espirituais não estavam relacionadas às minhas, as teorias não encaixavam na minha realidade.

Com o pouco tempo que nos restava, conversámos ainda sobre a vida, a sua essência, os karmas que adquirimos, os sonhos e seu significado, as escolhas que fazemos, os erros e acertos da vida. Apesar de a conversa não me agradar muito, a presença do amigo tornou-a interessante.

O tempo esgotou-se e despedi-me de Emanuel. Recordo-me da sua imagem de homem da estepe caminhando silenciosamente em direção ao portão de embarque. Combinámos de um dia nos reencontrarmos.

7 - Segredos revelados do encontro no aeroporto

Como é bom retornar a casa. O tempo passou e a conversa ficou esquecida. Vinte anos depois aconteceu o pior. Sem ter filhos, a minha esposa faleceu. Eu perdi o chão e a vida perdeu o brilho. Aquele executivo altivo e invencível dera lugar a uma pessoa vulnerável, depressiva, apática, sem futuro. Só me restava uma escolha: tirar a própria vida. Pensava nisso diariamente como um processo de mão única. Resolver de vez o sofrimento de não ter tido pais e de ter perdido a esposa.

Madrugadas adentro, acordado, trouxeram-me as lembranças do encontro com Emanuel. Percebi que ele queria avisar-me de algo que na época não entendera. Comecei a recordar detalhes das suas palavras e os segredos delas foram-se revelando.

1 - Primeiro segredo

O amigo a quem Emanuel se referia que tinha ido visitar era eu. A sua viagem da Mongólia até Washington tinha apenas um objetivo: um encontro no aeroporto com o seu amigo Pedro.
Ele estava lá para me ajudar a desvendar alguns princípios espirituais de ação e reação que pudessem ser úteis no futuro. A sua dívida para comigo estava saldada, pois eu tinha-o ajudado a suportar a perda da sua esposa e filho numa vida anterior.

2 - Segundo segredo

Esclareci uma das minhas maiores dúvidas: que nunca iria conhecer os meus pais biológicos. Eu fizera esta escolha em espírito de voltar a esta vida e não conhecê-los, um tributo aos meus atos em vidas anteriores.

3 - Terceiro segredo

Deveria diminuir o ego, estar em sintonia com a vida espiritual, recuperar a minha essência para ter paz.
Tirar a própria vida seria o maior erro que poderia cometer. A minha alma e espírito aquietaram-se. Uma calma invadiu o meu ser.
O meu sono retornou. Fui recuperando o entendimento de que a vida está acima das outras prioridades e que nunca se deve tirá-la. Os erros devem ser perdoados e a fé, a principal motivação humana, deve ser recuperada.

O meu orgulho desvaneceu-se. Perdi o interesse profissional e procuro responder às perguntas da vida com respostas não apenas da lógica humana, mas também vindas do lado espiritual.
Não tenho todas as respostas daquele encontro. Como foi possível ele saber que eu estaria naquele dia e àquela hora no aeroporto? Por que ele estava sentado à minha frente, se fui eu quem escolheu o local e cheguei depois dele nas cadeiras próximas às janelas? Qual a razão de me encontrar num momento de reflexão, olhando pelas janelas de vidro?

Quem sabe um dia consiga responder a estas perguntas.

8 - Retomando o contato

Tinha de reencontrar o meu amigo, agradecer-lhe pelo que fez. Procurei o Emanuel na Mongólia e pelos sete cantos do mundo. Acho que ele não queria ser encontrado. Se for a vontade de Deus, nesta ou noutra vida, espero poder retribuir-lhe pelo que fez.

Nunca poderia imaginar que um encontro num aeroporto pudesse ensinar-me tanto sobre a vida, que me salvaria no futuro permitindo a busca de novos caminhos. Pode estar a pensar que isso não faz sentido, que é apenas uma história e que encontros em aeroportos são coincidências. Mas tudo é natural.

Quanta gente se encontra nos aeroportos, ou noutros locais sem saber que vão aprender uma lição. O plano espiritual arranja uma forma de nos chamar, um puxão de orelhas para as coisas que prometemos noutro plano, e que às vezes pelas circunstâncias da vida acabamos por nos desviar. Nos momentos necessários, surgem amigos espirituais que nos ajudam a fazer correções, a voltar ao caminho escolhido.

É uma mecânica natural que acontece nas nossas vidas de forma subtil e que poucas pessoas percebem.
Aprendi algo importante que deixo aqui como conselho: aproveite sempre os encontros com velhos amigos e ouça-os com muita atenção e carinho. Eles podem estar orientados a despertar em si algo que vai transformar a sua vida.
Não deixe a sua vida passar e levá-lo pelos caminhos da vaidade e do egocentrismo. Procure entender a vida não apenas de um lado, mas de ângulos diferentes. Tenha cuidado com o que acredita ser a única verdade.

Desejo-lhe muita paz no coração e crescimento espiritual.